quarta-feira, 25 de outubro de 2017

A EXPOSIÇÃO DE MIRÓ

Fala-se tanto de Joan Miró... Por quê não hei-de ir até ao Palácio da Ajuda, aqui tão perto, para olhar para aquelas «oitenta e cinco pinturas, desenhos, esculturas, colagens e tapeçarias» que são propriedade do Estado português? Já fizeram correr tanta tinta aqueles trabalhos avaliados em milhões...
E fomos mesmo. Convidámos uns amigos para este passeio prazeroso e zarpámos para o Palácio Nacional, onde nós já vimos coisas bem interessantes: as extravagâncias da Joana Vasconcelos, os sons melodiosos do filho António Luís integrado no Coro de Câmara de Lisboa e ainda uma outra obra musical de que não me lembro bem...
Amálgama de materiais para dar forma e cor
Confesso que ia um pouco descrente, sem saber se ia gostar ou não. Mas a curiosidade era muita. Muita era também a frequência daquele espaço, sinal da fama que Miró arrasta nos nossos dias. À falta de guias que nos ajudassem a compreender aquela produção artística, íamos lendo todas as informações e olhando para as obras de Miró, muitas vezes sem nada perceber “como um boi a olhar para um palácio”.  
O que melhor compreendi foi a tentativa de Miró em trabalhar com todos os suportes da sua arte como se fossem uma novidade, dando-lhes novos sentidos e funções: uma linha podia ser um arame, a cor podia ser representada por fios de lã, um simples contraplacado rugoso, sem uma preparação do suporte, podia servir de base a uma pintura ou colagem, a tinta ou o guache podiam ser substituídos por pedrinhas... E porque não deitar fogo a uma tela, deixar actuar a sua energia e verificar o resultado final?
Suporte rudimentar com pedras coladas a centrar a atenção
Certo, certo é a liberdade com que Miró mexe nos materiais pictóricos e os leva ao extremo, chegando a pregar na tela o alguidar das limpezas ou a sua vassoura, numa visão tridimensional da sua obra...
Para André Breton, Miró era o maior surrealista do séc. XX. Frequentando Picasso e outros modernistas, para Miró a figura, seja humana ou material, tem de ser ultrapassada, sobre-realizada, restando uns pontos e umas linhas em que predomina o sonho, mais que a anatomia. Mestres no uso do desenho e da cor, os surrealistas abriram caminho a formas mais ousadas de expressão artística.

As obras presentes na Ajuda representam 60 anos de trabalho, em que as próprias tendências do artista vão variando, reduzindo-se cada vez mais a técnicas simples e de poucos recursos pictóricos.
Nas vésperas da Grande Guerra, vemo-lo a pintar figuras humanas de pescoço esguio e grandes cabeças, em que se pressente um ar assustador, ou desenhos que parece quererem sair do suporte sem lá caberem.
Intrigante, toda esta exposição. Saio de lá a pensar que outros vêem o que eu não vislumbro. Mas não deixo de admirar o equilíbrio, a graciosidade e mesmo a gradação de linhas e cores que vi nalguns quadros.

António Henriques





















4 comentários:

  1. Muito bom, os amigos estão motivados a contemplar a exposição, o pormenor das pinturas,... Depois a forma como está escrita toda a exposição, descrevendo um ou outro pormenor, dá gosto ler. Um obrigado aos amigos.

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  2. Muito obrigado, Luisa. Vamos brincando com as palavras, até para entusiasmar outros a comunicar.

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  3. Não podia estar melhor, foi tudo o que eu senti, mas não saberia descrever tão claramente como tu. Adorei...

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  4. As nossas muitas conversas sobre arte também ajudam. Obrigado.

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