terça-feira, 3 de outubro de 2023

Aos 50 anos do P. Escarameia

Em Vila Velha de Ródão - o que eu queria dizer

Na longa, mas não fastidiosa, homenagem ao P. António Escarameia nos seus 50 anos ao serviço daquela paróquia, desde que soube do evento prometi a mim próprio que estaria presente.

Razões são várias, a começar pela ligação pessoal que me prende àquela terra, onde fiz a segunda classe e onde o prof. Benjamim insistia com o meu pai para eu continuar a estudar.

Mas sobretudo está em jogo a vivência de muitos anos no Seminário com o homenageado.

Em poucas palavras, se eu falasse publicamente, começava por elogiar a Câmara Municipal por este gesto nobre de agradecer o trabalho de um cidadão que gastou já 50 anos da sua vida a animar a vida cristã de muita gente, num serviço humilde e ignorado junto de todos nas horas felizes e nas horas tristes. Além disso, dedicou-se abertamente a muitas iniciativas que muito desenvolveram a comunidade, desde a escola aos grupos culturais de teatro e música e ainda à direção de instituições sociais – Bombeiros e Misericórdia, se não estou em erro… E, para admiração dos mais céticos, até andou à frente de muitos em Informática, inclusive na arte da programação e em “sites e blogues”.


O segundo elogio ia para o homenageado. Se aqueles muitos presentes na homenagem, linda na expressão dos rostos que acorreram ao Centro de Artes, conhecem bem o P. Escarameia dos últimos 50 anos, eu conheço outro Escarameia, dos tempos da juventude.

E na sua juventude, eu convivi com este aluno cheio de curiosidade, com tendência para saber mais profundamente, como foi a sua relação com o órgão, que sozinho aprendeu no seu 5.º ano e depressa passou a ser o organista-mor do seminário! Em Portalegre, no Seminário Maior, enquanto outros corriam para os campos a fazer desporto, o Escarameia corria para o órgão e deleitava-se no perfeccionismo das suas execuções musicais.

Humilde e colaborador, sem querer dar nas vistas, não se furtava ao trabalho naquelas atividades extra com que preenchíamos as horas, levados por alguns professores mais entusiastas. Estávamos nos finais dos anos 50 e tinha chegado de Roma o Sr. Dr. Marcelino (mais tarde bispo de Aveiro). A ideia maior era aproximar-nos das pessoas a quem mais tarde iríamos servir como padres. Criaram-se clubes de arte, literatura, cinema…. Alimentávamos uma Página Cultural mensal no jornal de Castelo de Vide e dentro de portas também se preparavam sessões, em que os oradores eram os próprios alunos. Com tantas mudanças, o P. Escarameia chega a dizer: «vivi o velho e o novo testamento dos seminários».

Bem me lembro de uma vez se terem distribuído temas para alguém preparar. Eu aceitei um sobre naturalismo e o Escarameia, um pouco forçado, viu-se com três temas em mão. Eu próprio lhe disse que era demais!  Passadas umas semanas, o P. Milheiro começa a querer saber como estavam as coisas. Todos iam falando e o Escarameia…calado! O P. Milheiro, sempre atarefado, ainda pergunta: - então, Escarameia, como vai o teu trabalho? Resposta rápida: - está quase, Sr. Padre.

Fui ter com ele no fim, admirado com a resposta. E diz-me ele: - ora, está quase a começar! Isto não era mentir, era uma simples reserva mental! Mas os trabalhos um dia apareceram, como era nosso timbre.

Com a pandemia, o Escarameia, fechado em casa, achou que era tempo de escrever as suas crónicas sobre o nosso passado nos seminários. Com uma memória muito fiel, atira para o papel mais de 50 deliciosos acontecimentos em textos tão bem escritos que nos fazem lembrar “A cidade e as serras” do Eça. Escreve, organiza, imprime e encaderna a obra com mais de 100 páginas, que depois oferece aos amigos. Que grande escritor, que grande tipógrafo, que grande artista!

E é desta obra, que nós lemos com muito agrado por serem episódios pitorescos dos nossos tempos de “meninos e jovens”, que eu confirmo o seguinte:

- o P. Escarameia vive enamorado com a vida, feliz por ter sido escolhido por Deus para padre!

- com humildade, sabe reconhecer que também erra e pede desculpa;

- muito observador, tanto aprendeu como o ti Manel tratava as sardinhas do pequeno-almoço, que «saiam fritas e assadas ao mesmo tempo», como não cala as injustiças que presenciou na educação dos seminários e sabe ser crítico; mas gosta muito da amizade entre nós: «a alegria da nossa juventude e da nossa amizade entre colegas mitigava os nossos medos e receios».

- pensa criticamente as práticas da Igreja e reconhece que muito há que fazer, especialmente no que toca à mulher que na Igreja «ainda hoje não serve para algumas coisas»… Ou ainda quando, em idade avançada, os padres vivem «abandonados… sem sabermos onde vamos reclinar a cabeça na velhice…». Ai, António Escarameia, não estás longe do que todos nós estamos a sentir também quanto à falta de estruturas de acolhimento dos idosos!

Olha, com a tua boa vontade e alegria, ainda estás aí capaz de também alegrar muitos e seres feliz a fazer os outros felizes. Gostei tanto do teu dia 1 de Outubro de 2023!.

António Henriques