segunda-feira, 25 de maio de 2020

Os Irmãos Karamázov

Acabo de ler as 914 páginas deste romance de Fiódor Dostoiévski, um dos mais falados e talvez a sua obra prima, acabado de escrever a dois meses da sua morte em 1881.

Tinham-me dito que era preciso coragem para esta tarefa, mas afinal não foi assim tão complicado. O tempo livre que esta pandemia me oferece também tem ajudado a leitura. E eu fazia apenas a leitura de 30 a 40 páginas por dia, que os meus olhos também ficam baralhados e confusos com páginas tão densas e era importante parar.

E que posso eu dizer aos meus leitores?

1 – As páginas apresentam uma mancha gráfica pesada, com caracteres pouco largos, mas lá fui avançando naquelas descrições e narrações exemplares, que me entusiasmavam. Percebe-se logo que o nível vocabular é de uma riqueza fora de série: como é possível utilizar tantos adjetivos, tantos nomes e verbos diferentes? A riqueza da nossa língua é muito grande e os tradutores souberam explorar bem a exuberância do português na tradução direta do russo.

2 – Logo nas primeiras páginas, começamos a ver um narrador-guia a acompanhar-nos na leitura, a explicar o caminho, a deixar para mais tarde pormenores que agora não interessam. Por vezes, até pede desculpa de não explicar melhor o acontecimento! Vamos assim passando de personagem para personagem, sendo o 1.º volume quase só a apresentação dos atores, começando o leitor a notar como toda aquela gente se encontra enredada num mundo real, historicamente marcado pelos finais do séc. XIX, sob a ditadura do czar Nicolau I e pouco depois de acabarem os medievos “servos da gleba”. A lei mudou, mas na sociedade continua a existir grande diferença entre ilustres e populares, que se contentam em servir os senhores, vivendo em barracas que o dono lhes cede e trabalhando nos serviços domésticos ou na agricultura, numa subserviência para toda a vida.

3 – O romance, dividido em dois volumes, gira todo à volta da família Karamásov, com as inevitáveis relações destes com o mundo real – os militares, os funcionários públicos e o mosteiro, que influencia muito aquela comunidade. Não esquecemos também as mulheres, especialmente as namoradas, que fazem irromper sentimentos contraditórios entre os próprios irmãos e o pai – ora é amor, ora é ciúme, ou ainda raiva, ódio e guerra de interesses entre todos.

4 – Dostoiévsky é um pintor de personagens, cada uma com a sua mentalidade. E quer os mais importantes quer mesmo os pequeninos, até crianças, merecem a atenção do narrador. Cada um é indivíduo diferente, a pensar pela sua cabeça, livre e responsável, mas nós sentimos que naquela sociedade só alguns têm voz. E vemos ainda como o autor é um perscrutador de consciências, comprazendo-se em narrar os movimentos íntimos da alma, que hesita, duvida, avança e recua, misturando nestes movimentos a culpa, a responsabilidade, a humilhação, a subserviência… Às vezes, eu pensei: ele está a escarafunchar a consciência em todos os seus patamares… E neste estudo íntimo das personagens, também me impressionou o tempo que o autor reserva a gente sem categoria social, sem função visível, os mais desprezados, até as crianças, que naquelas páginas desfrutam de tanto relevo como as outras. É assim a sociedade russa do tempo, em que todos se sentem dignos e pensam como indivíduos. Ou melhor, é esta a visão do autor!                  

5 –  Há quem chame a  este romance uma história de detective policial; na realidade todo o enredo caminha para uma explosão final. Dito por outras palavras, as personagens envolvem-se num drama que chega à tragédia da morte do próprio pai, sem se saber ao certo quem praticou tal ação. Parece que o irmão que mata e se suicida dá a vez a outro irmão que é condenado em tribunal sem culpa formal. Mas a teia de relações entre aquelas personagens chega ao ponto de todos se sentirem culpados da tragédia. Depois de um aparatoso julgamento, um é «condenado a vinte anos de trabalhos forçados» na Sibéria. Mas logo ali a história avança para uma hipótese de evasão para o ocidente…

Diga-se que o autor consegue urdir a trama de tal modo que, no tribunal, estamos a ver que os argumentos do procurador são bem fortes para condenar o réu. Mas, depois, o advogado de defesa fala de modo tão convincente que todos, os presentes e o leitor, achamos que o réu fica ilibado. Os jurados terão a última palavra, por sinal bem amarga e contrária ao que o leitor sabe.

6 – O autor, ao longo do texto, vai usando as personagens para discutir temas controversos ao tempo, como sejam as noções de liberdade, moral pessoal ou ditada por Deus, a relação do homem com a religião… Como homem de fé, o autor descreve demoradamente a influência do mosteiro sobre a sociedade (e na Rússia havia tantos!), mas não se esquece de mostrar a variedade de práticas monacais contrastantes até dentro do próprio convento e insistir no fantástico que enforma a alma dos fiéis. Quando o monge principal e guia espiritual Zóssima morre com fama de santidade e toda a gente esperava milagres, apenas se viu um corpo a cheirar mal poucas horas depois do último suspiro. Isto faz pensar as pessoas!

Mas é o noviço Aliocha, que frequentava o convívio com os frades que surge em todo o romance como o filho sensato, amigo, a unir a família, ao lado do irmão Ivan, ateu, perturbado e livre-pensador, que perturba outro irmão, já de si um idiota doentio, Smerdiacov, ou ainda Dmitri, o réu em tribunal acusado de parricídio, fogoso, insensato, capaz do melhor e do pior; na interpretação do procurador, ele representa a Rússia, capaz do bem e do mal. Para completar a família, diga-se que o pai Fiódor Karamázov se apresenta, na voz do procurador, como «aquele velho desgraçado, descomedido e depravado…», sem princípios morais, adulador e egoista.

Podemos dizer que, chamando para aqui o existencialismo, estas personagens não copiam estereótipos; são antes seres reais que assumem em liberdade as suas ações e sentem que o castigo ou a recompensa estão na própria consciência. Aqui, não é Deus a castigar, é o próprio indivíduo que assume o resultado de suas ações e até de seus pensamentos. Liberdade vem acompanhada de culpa, medo, humilhação ou paz interior. E é tal esta simbiose que há personagens que, em resultado do seu comportamento, chegam à doença física, às febres, à loucura… Enquanto outras, como Aliocha, arrastam os outros e cativam as próprias crianças.

E fico por aqui para não maçar demais.

António Henriques

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Olhando o meu quintal


EM TEMPOS DE PANDEMIA

Claro que cansa! Este ninho da nossa casa não satisfaz todas as necessidades.

Mas há que mudar de óculos e fixarmo-nos nos aspetos positivos.

Eu aproveitei-me do quintal, onde nós e os nossos gatos se deleitam,

para levar umas imagens para o computador

e mexer nas aplicações que possuo

para continuar a treinar.

António Henriques



terça-feira, 5 de maio de 2020

Um amigo despediu-se

Acabo de receber a triste notícia do falecimento do João Torres Heitor. O seu funeral vai ser hoje, 4 de Maio, às 4 da tarde, para o cemitério de Carnaxide.
Vamos falar dele.
Abrir o link de outro blogue da minha responsabilidade. António Henriques

https://animussemper.blogs.sapo.pt/joao-heitor-as-nossas-despedidas-553815