Em Vila Velha de Ródão - o que eu queria dizer
Na longa, mas não fastidiosa, homenagem ao P. António Escarameia nos seus 50 anos ao serviço daquela paróquia, desde que soube do evento prometi a mim próprio que estaria presente.
Razões são
várias, a começar pela ligação pessoal que me prende àquela terra, onde fiz a
segunda classe e onde o prof. Benjamim insistia com o meu pai para eu continuar
a estudar.
Mas sobretudo
está em jogo a vivência de muitos anos no Seminário com o homenageado.
Em poucas
palavras, se eu falasse publicamente, começava por elogiar a Câmara Municipal
por este gesto nobre de agradecer o trabalho de um cidadão que gastou já 50
anos da sua vida a animar a vida cristã de muita gente, num serviço humilde e
ignorado junto de todos nas horas felizes e nas horas tristes. Além disso,
dedicou-se abertamente a muitas iniciativas que muito desenvolveram a
comunidade, desde a escola aos grupos culturais de teatro e música e ainda à direção de instituições sociais – Bombeiros e Misericórdia, se não estou em
erro… E, para admiração dos mais céticos, até andou à frente de muitos em
Informática, inclusive na arte da programação e em “sites e blogues”.
O segundo elogio ia para o homenageado. Se aqueles muitos presentes na homenagem, linda na expressão dos rostos que acorreram ao Centro de Artes, conhecem bem o P. Escarameia dos últimos 50 anos, eu conheço outro Escarameia, dos tempos da juventude.
E na sua
juventude, eu convivi com este aluno cheio de curiosidade, com tendência para
saber mais profundamente, como foi a sua relação com o órgão, que sozinho
aprendeu no seu 5.º ano e depressa passou a ser o organista-mor do seminário! Em
Portalegre, no Seminário Maior, enquanto outros corriam para os campos a fazer
desporto, o Escarameia corria para o órgão e deleitava-se no perfeccionismo das
suas execuções musicais.
Humilde e
colaborador, sem querer dar nas vistas, não se furtava ao trabalho naquelas
atividades extra com que preenchíamos as horas, levados por alguns professores
mais entusiastas. Estávamos nos finais dos anos 50 e tinha chegado de Roma o Sr.
Dr. Marcelino (mais tarde bispo de Aveiro). A ideia maior era aproximar-nos das
pessoas a quem mais tarde iríamos servir como padres. Criaram-se clubes de
arte, literatura, cinema…. Alimentávamos uma Página Cultural mensal no jornal
de Castelo de Vide e dentro de portas também se preparavam sessões, em que os
oradores eram os próprios alunos. Com tantas mudanças, o P. Escarameia chega a
dizer: «vivi o velho e o novo testamento
dos seminários».
Bem me
lembro de uma vez se terem distribuído temas para alguém preparar. Eu aceitei
um sobre naturalismo e o Escarameia, um pouco forçado, viu-se com três temas em
mão. Eu próprio lhe disse que era demais!
Passadas umas semanas, o P. Milheiro começa a querer saber como estavam as
coisas. Todos iam falando e o Escarameia…calado! O P. Milheiro, sempre
atarefado, ainda pergunta: - então, Escarameia, como vai o teu trabalho?
Resposta rápida: - está quase, Sr. Padre.
Fui ter com
ele no fim, admirado com a resposta. E diz-me ele: - ora, está quase a começar!
Isto não era mentir, era uma simples reserva mental! Mas os trabalhos um dia
apareceram, como era nosso timbre.
Com a
pandemia, o Escarameia, fechado em casa, achou que era tempo de escrever as
suas crónicas sobre o nosso passado nos seminários. Com uma memória muito fiel,
atira para o papel mais de 50 deliciosos acontecimentos em textos tão bem
escritos que nos fazem lembrar “A cidade e as serras” do Eça. Escreve,
organiza, imprime e encaderna a obra com mais de 100 páginas, que depois
oferece aos amigos. Que grande escritor, que grande tipógrafo, que grande
artista!
E é desta obra,
que nós lemos com muito agrado por serem episódios pitorescos dos nossos tempos
de “meninos e jovens”, que eu confirmo o seguinte:
- o P.
Escarameia vive enamorado com a vida, feliz por ter sido escolhido por Deus
para padre!
- com
humildade, sabe reconhecer que também erra e pede desculpa;
- muito
observador, tanto aprendeu como o ti Manel tratava as sardinhas do
pequeno-almoço, que «saiam fritas e
assadas ao mesmo tempo», como não cala as injustiças que presenciou na
educação dos seminários e sabe ser crítico; mas gosta muito da amizade entre
nós: «a alegria da nossa juventude e da
nossa amizade entre colegas mitigava os nossos medos e receios».
- pensa criticamente as práticas da Igreja e reconhece que muito há que fazer, especialmente no que toca à mulher que na Igreja «ainda hoje não serve para algumas coisas»… Ou ainda quando, em idade avançada, os padres vivem «abandonados… sem sabermos onde vamos reclinar a cabeça na velhice…». Ai, António Escarameia, não estás longe do que todos nós estamos a sentir também quanto à falta de estruturas de acolhimento dos idosos!
Olha, com a
tua boa vontade e alegria, ainda estás aí capaz de também alegrar muitos e
seres feliz a fazer os outros felizes. Gostei tanto do teu dia 1 de Outubro de
2023!.
António Henriques