domingo, 31 de julho de 2022

Museu Berardo de Estremoz

Visitando azulejos

Dia de calor, sim! Mas o ar condicionado do carro também ajuda a esquecer o clima e a focar-nos no mais importante. Decidimos visitar mais um “Museu Berardo”, desta vez em Estremoz. E lá fomos em boa companhia, com os primos que também querem sair de casa e ver coisas. 

O azulejo é rei no Palácio Tocha da “Cidade branca”. E aqueles três pisos bem nos embrenharam na riqueza desta arte, que enche igrejas, palácios e casas particulares, a começar no longínquo séc. XV. Visita equiparada a esta só a tive no Museu Nacional do Azulejo em Lisboa. 

Para além da azulejaria que já integrava as paredes deste Palácio (na escadaria e em algumas salas) com grandes tapetes figurativos do séc. XVIII, vamos subindo e olhando para exemplares das técnicas mais antigas às mais modernas. Gostei das simpáticas figuras de convite que nos receberam à entrada e que costumamos ver ao cimo das escadas. 

Depois, olhámos para os velhinhos azulejos de corda seca, os alicatados (cortados a alicate!) ou os enxaquetados (combinando cores em disposições simétricas), que eu já vira no Convento de Jesus em Setúbal (muito usados durante o domínio castelhano por falta de dinheiro!). Os azulejos de corda seca e outros em relevo foram a primeira encomenda de D. Manuel I em Sevilha para o Palácio da Vila em Sintra (se não me engano!). Também são dignos de apreciação os panos de azulejos de aresta, que sucederam aos de corda seca e já usavam um molde para fabrico em série. 
Esta visita voltou a lembrar-me a influência que a cultura islâmica teve sobre a Península Ibérica, a partir de Sevilha e de Talavera de la Reina, sem esquecer o Médio Oriente, também representado neste Museu. Os desenhos geométricos e cambiantes vegetais são a maioria. 
Avançando para os séculos seguintes, chamaram-me a atenção os grandes tapetes de padrão dos séc.s XVII e XVIII, os silhares que cobrem paredes e corredores, tudo em majólica, à moda da faiança italiana. Cores, se o azul e o amarelo são típicos do séc. XVII, já no século XVIII predomina o azul. No meio de um tapete, com cercadura à volta, aparecem por vezes quadros figurativos, uma imagem de santo, um registo religioso ou a imagem do Santíssimo Sacramento. 
E curiosamente, quando chega o barroco no séc. XVIII, as formas saltam para fora das cercaduras, como se saíssem de uma prisão. Vejam isso nas fotos com os visitantes. Também olhei com interesse para um grande tapete de figuras avulsas da Flandres, que consta das nossas fotos. Eu sabia que estas figurinhas adornavam muito as cozinhas de conventos ou palácios.
Os temas, para além dos motivos religiosos, aludem a cenas campestres, de nobres a recrearem-se na caça ou na música. Mas na maioria, vemos ilustrações bíblicas. No terceiro piso, fazem parte do palácio grandes representações históricas das guerras havidas ao longo da história de Portugal.
Noto ainda a abundância de exemplares das fábricas do norte de Portugal, séc. XIX, onde os “brasileiros” desenvolveram a azulejaria, que no Brasil cresceu muito depois da independência da colónia. O azulejo passou a revestir as frontarias das casas, costume trazido para Portugal e que terminou em 1921, por uma decisão governamental a proteger os peões, que podiam apanhar com algum azulejo na cabeça!... É a fase da “democratização”, passando o azulejo das igrejas e palácios para o meio urbano.
Uma palavra para a Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, séc.XIX, onde o mestre Rafael Bordalo Pinheiro imprimiu o seu saber e arte, sendo de destacar o seu azulejo em relevo e vidrado. 
Lembro ainda o esplendor e colorido da arte nova no início do séc. XX, que se continua na azulejaria moderna, cada vez a imprimir mais ao azulejo o toque de arte digna, ela que durante séculos mereceu pouco valor e atenção. É por isso que hoje se lhe dá mais importância e por aí passou a ser colecionado, roubado, exportado e desaparecido dos lugares onde devia estar.

Louvor ao Museu Berardo de Estremoz, a cidade branca.

António Henriques

terça-feira, 5 de julho de 2022

Análise de um livro

 Acabo de ler o livro do meu amigo João Pires Antunes, intitulado “Tradição e Paisagem – Penha Garcia”, edição de autor de outubro de 2021.

Conheço razoavelmente o João por leitura de textos anteriores e, por isso, sabia à partida o estilo de escrita, a visão geral sobre o mundo e mesmo o seu envolvimento pessoal nas boas causas. E depois desta leitura, que vou dizer?

Fiquei agradavelmente surpreendido com os seus largos conhecimentos sobre a tradição e ainda mais sobre a paisagem de Penha Garcia. Ao reconstituir os modos de vida no seu tempo de criança, as vivências familiares que ele descreve como “narrador participante” (assim se dizia há uns anos atrás!), numa linguagem original, usando termos regionalistas, ele não fala de cor… Os trabalhos agrícolas, a ocupação do tempo de uma família, que vive da terra e dela extrai o sustento numa luta sem fim, são memórias vivas do autor. Como tu sabes tanto de lavoura! Falas das estações do ano e relacionas cada uma delas com os variados ciclos agrícolas – sementeiras, mondas, apanha da azeitona, o forno… Eu transportei-me para a minha meninice… E imaginei-me na tua casa simples, com o asado na cantareira e o copo de latão emborcado para se beber água! Ou a família à volta da mesa com a colher na mão a tirar o alimento do barranhão. Também na minha casa não havia pratos em 1945…

Depois, o João enche de vida o ambiente, trazendo para o dia a dia os animais domésticos, a Navarra, a égua Safira ou a gata Xica, para já não falar dos que enriquecem a alimentação – galinhas, coelhos, aves… E fala dos cheiros!

Impressionou-me a quantidade de nomes de ervas que foste buscar para dar sabor, ou o sem-número de animais que povoam aqueles campos, ou ainda a imensidão de aves que enchem os ares e que tu sabes escutar, num sentir irmanado com a natureza, cujo silêncio te enche de emoção poética – “retiros de prazeres puros” (p. 107).

Sobre a paisagem, se o autor privilegia a sua Manga do Gabão – “o meu berço” (108), ele sabe olhar para o longe e apreciar cada recanto. Se se delicia com os “campos policromáticos” (36), ele tem razões: «A paisagem…parecia outra, pois a policromia matizada do matagal em flor, onde sobressaíam as papoilas brancas das estevas, a urze rosada e rasteira, a giesta com os seus cachos de flor amarela e ainda o tojo florido e agressivo, contribuíam para esta paisagem distinta» (80/81).

E se o enlevo é muito – “é um deleite para os nossos olhos e um lavar da alma” (100), lá onde “a vida rebenta por todos os sítios” (36) -, também se entristece ao ver o “arvoredo que cresce desgovernado” (108), “terras que mais parecem selvagens, entregues a si próprias” (94). Faltam as famílias de outros tempos, que arroteiem e domestiquem os campos. Por isso, até os javalis «já perderam a vergonha» (92) (rica personificação!). Num grito de alma, clama: «aguardamos serenamente por mentes iluminadas que encontrem soluções que minimizem este drama. Porque a desertificação avança»… (115) E parece que nem o grande amendoal a plantar nos concelhos de Fundão e Idanha-a-Nova o deixam repousado (124), mas ele sabe que acabou o trabalho braçal e só as máquinas podem amanhar aquelas terras para novas culturas. Oxalá!

Só mais duas considerações:

1 – Noto às vezes que o texto se apresenta um pouco a saber a linguagem oral e com discordâncias entre elementos ou algumas vírgulas em lugares que eu acho errados. Talvez seja exigente!  Ex.: -“Grande variedade são utilizadas em chás e tisanas”(52); - “as noites escureciam como breu que arrepiavam os mais afoitos” (18) seria melhor dizer: “as noites escureciam como breu e arrepiavam os mais afoitos” ou “as noites escureciam como breu que arrepiava os mais afoitos”; - “Penha Garcia … sabe bem receber as visitas” devia ser “Penha Garcia … sabe receber bem as visitas”.

2 – Os regionalismos são ricos em palavras com sentidos muito próprios, que escapam ao comum dos leitores. Deixo uma lista do livro para os leitores se entreterem: malhadas (9), cinchos (13), relheiros (15), furda (15), surripanços (17), barranhão (18), gorroal (85), brama (93), acarrar (117).

Parabéns, João! Escreve, que te dá vida… E nós aprendemos e deleitamo-nos!

António Henriques