quarta-feira, 9 de agosto de 2017

UMA VISITA

À CAPITAL DOS DINOSSAUROS


Esta pode ser uma hipótese para uma escapadinha, aqui a 70 km de Lisboa. A Lourinhã aqui tão perto e nós não a conhecemos... E se a conhecíamos, iremos estranhar muito as novas atracções que vão interessar os turistas a partir de hoje.
Quando a visitámos, ainda estava engalanada com os enfeites de uma festa local e o nosso objectivo era sobretudo o Museu. Soubemos que era decerto a última vez que ali entrávamos, disse o funcionário, pois o Museu ia ser deslocado brevemente para novas instalações, por certo mais dignas. O espólio que ali se amontoa vai brilhar mais em espaços mais amplos. Naquele espaço, convivem as peças de um museu regional, memória das muitas actividades económicas a que se dedicavam as gentes daquela região do Oeste, e os achados paleontológicos da era dos dinossauros, que realmente precisavam de outro ambiente para se mostrarem melhor.

Das mostras das profissões antigas, muitos objectos expostos chamaram a atenção. Mas, para abreviar, lembro os elementos com que se extraía a resina. Naquelas ferramentas, não faltava a machadinha para tirar mais uns centímetros de casca do pinheiro e a garrafinha do ácido para fazer que a resina escorresse para a malga. Tive ainda a oportunidade de lembrar os nomes dos muitos instrumentos do carpinteiro, que meu pai manuseava com mestria, como, por exemplo, a garlopa, o trado, a plaina... Mas parece que não consta nenhuma profissão que ali não se apresente, pelo que vale uma visita bem ilustrativa.
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A secção dos dinossauros encontra-se muito compacta e há muitos achados que nem sequer podem aparecer por falta de espaço. Mas, para surpresa minha, estava eu a escrevinhar estas linhas quando descubro que neste 8/08/2017 se inaugura na Lourinhã uma grande mostra de 20 modelos de dinossauros em tamanho real, numa iniciativa apelidada de «Dinossauros Saem à Rua» e que ficará patente até meados de Setembro. E nos próximos dias 11, 12 e 13 de Agosto haverá mesmo muitas atracções e conferências sobre o tema.
Soubemos, entretanto, que esta exposição pelas ruas da Lourinhã é um simples aperitivo de outra exposição permanente com mais de uma centena de modelos no futuro Parque dos Dinossauros, a inaugurar em 2018 numa área de 10 hectares de um terreno onde funcionava a lixeira municipal. É aí que também será construído um edifício para exposição dos achados paleontológicos com 150 milhões de anos, uma loja e um laboratório para preparação de fósseis. É um investimento de 3,5 milhões de euros, que fará da Lourinhã uma verdadeira capital dos dinossauros.

E ficam vocês em casa!...

António Henriques





sábado, 5 de agosto de 2017

MAIS LEITURAS

Mais um livro, mais uma análise...



O “Vaticanum”, romance de José Rodrigues dos Santos (JRS) publicado no ano passado, foi uma prenda de Natal. O título era sugestivo, mas eu desconfiava um pouco do aviso das primeiras páginas: «A informação histórica contida neste romance é verídica» e, por isso, não me atirei logo à leitura. Preferia começar por informação menos romanceada, até porque também tinha entrado na nossa casa outro livro - “VIA CRUCIS” – Francisco, um Papa em perigo no seio do Vaticano, de GianLuigi Nuzzi, que me poderia ajudar a compreender melhor a realidade dos problemas que o papa Francisco enfrenta para evangelizar a Cúria Romana e todos os serviços da Santa Sé. Por aqui comecei. Já escrevi a minha opinião sobre este livro, que me ajudou a compreender melhor o romance.


Em férias, avancei para as 600 páginas do Vaticanum, que em 10 ou 12 dias foram devoradas. Mas é um exagero gastar tantas folhas.... Podia o autor ficar pela metade e a história não perdia. Já li vários romances do mesmo autor e nele gosto da linguagem jornalística, sem exageros literários, com uma intriga cativante a agarrar o leitor.
Desta vez, cansou-me a abundância de informação relativa aos problemas financeiros da Santa Sé, a ponto de termos de aturar as falcatruas cometidas há muitos anos e tudo o que tem acontecido desde João Paulo I, que no romance é mesmo envenenado na véspera de anunciar decisões extremas. E também me cansaram os diálogos sem fim no momento em que a cena está a atingir o clímax, parecendo que o autor manda parar a vida para dar mais explicações...
Em JRS, a acção é sempre dividida em pequenas cenas, de enredo paralelístico, avançando ora uma ora outra, mas terminando sempre cada pequeno capítulo com um chamariz para a frente, o que leva o leitor a querer saber sempre mais... A intriga policial, que o autor manipula com sabedoria, deixa-nos “em suspense” muitas vezes.
O criptanalista português, Tomás de Noronha, personagem de muitos dos seus romances, desta vez, a pedido do papa, vai «catalogar as sepulturas que se encontram na necrópole e procurar vestígios dos restos mortais de Pedro» por debaixo da basílica e vê-se embrulhado noutra situação, que é desvendar o mistério do assalto aos documentos em análise pelos auditores, especialistas externos que o Papa convidou para endireitar as finanças. E deste primeiro assalto, já com a marca do Estado Islâmico, passa-se para a acção principal. O próprio papa vai ser alvo de acções rocambolescas, bem dramáticas e no limite do trágico, onde se conjugam forças diversas, umas a querer discrição, como a máfia, e outras a procurar publicidade, como os radicais islâmicos. Em jogo surge também o grupo que representa tendências homossexuais.
Tomás de Noronha e Maria Flor continuam a namorar. Ele aparece como personagem determinante para resolver todos os enigmas e ela é apenas uma figura feminina a adoçar a situação e a distrair-nos da tensão policial. Figuras femininas, só ela e a Dr.ª Catherine Rauch, responsável pela equipa de auditores, surgem no romance, por certo para dizer que no Vaticano elas não contam muito.
O conteúdo histórico é bastante aceitável, pois condiz com muitos dos estudos publicados. JRS diz que faz «um relato factual» e confirma mesmo que «a principal fonte foram os livros de referência de Gianluigi Nuzzi...» (p.599) e em muitas páginas eu ia pensando “mas eu já li isto!”. Ficcional é tudo o resto, a começar pelos atropelos graves e extremistas contra o papa.
Mas trata-se de um romance, de uma ficção. E numa obra ficcional a leitura é agradável quando a verosimilhança existe. No entanto, neste caso, algumas soluções do enredo pareceram-me inverosímeis, senão quase impossíveis de ter acontecido, como o túnel cavado por baixo da sanita. E a figura de Tomás de Noronha, que investiga e soluciona todos os crimes também surge mais como um super-homem.
Pronto. O texto já vai longo e não consigo cortá-lo. Ficamos por aqui. O JRS continua a ser o escritor mais lido, mesmo com as críticas. E, para me distrair, talvez avance para outro livro dele. Opiniões!

António Henriques

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

AS MINHAS LEITURAS

"A Metamorfose"
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Franz Kafka
Cardume Editores, Lda

«Um dia de manhã, ao acordar dos seus sonhos inquietos, Gregor Samsa deu por si em cima da cama, transformado num insecto monstruoso».

É fácil ler as 78 páginas da “Metamorfose”, de Kafka. Até se pode ler como um conto fantasioso para encher os tempos mortos. Mas, para mim foi uma surpresa a substância psico-sociológica que nesta historieta se pode encontrar.
De rompante, a história começa com as duas linhas que encimam este texto. Sem explicações, sem qualquer nexo de causalidade («porquê, meu Deus?»). Apenas o espanto: «O que é que me aconteceu?».
Depois deste choque inicial, inicia-se uma história de leitura fácil, que até as crianças compreendem.
Aquele bicho (barata, escaravelho?) humano, com memória, pensamento e coração, recorda a sua vida de caixeiro-viajante, cujo ordenado sustenta a família (pais e irmã). Mas, de um momento para o outro, tudo se altera com esta tão catastrófica metamorfose.
O corpo transforma-se numa enorme carapaça, rodeada de muitas pernas que não sabe controlar. Ao sair da cama, este corpo descontrolado cai no chão em grande estrondo, de onde não mais sairá, a não ser para uma rara incursão pelas paredes do quarto, que passa a ser a sua prisão. A família, ao dar pelo caso, arrepia-se, incrédula, afasta-se com receio e nojo e tenta esconder o novo habitante da casa. O pai até o pontapeia... A mãe não consegue aproximar-se e só a irmã mostra alguma compaixão, pensando que o bicho é seu irmão, da sua família, e leva-lhe umas malgas de leite como alimento. Ainda lhe limpa o quarto no princípio, mas até ela, pouco a pouco, se distancia.
Nota-se a dificuldade de as pessoas lidarem com este abstruso evento. Inicia-se mesmo um crescendo de insensibilidade no relacionamento com aquele familiar de formas estranhas, embora se reconheça que «apesar da sua forma actual, triste e repugnante, não deixava de ser um membro da família». Cresce ainda a vontade forte de esconder o caso, não dizer nada, numa absoluta reserva.
Da parte de Gregor Samsa, notamos o fundo desejo de se aproximar da família, ver a sala iluminada e os familiares à mesa ou a irmã a tocar música, arrastando uns passos para fora do quarto e chegar-se à cena..
Mas cresce o desconforto dentro de casa e de todos os que nela entram... Endurece o coração e muda a perspectiva e o relacionamento: «eu nego-me a pronunciar o nome do meu irmão diante deste monstro... temos de arranjar maneira de nos livrarmos dele» ... É a repulsa e o ódio...
O bicho sente-o e retira-se para o quarto, inanimado e triste, morrendo.
É a mulher a dias, resoluta e fria, que finalmente põe fim a esta tragédia. E a família até dá graças a Deus por esta história ter um fim.
Assim, a família que não saía de casa, vai passear para o campo e a rapariga rejuvenesce na «frescura jovem do seu corpo», palavras finais do texto.

E a consciência ficará tranquila?

António Henriques

AS MINHAS LEITURAS - 2

"VIA CRUCIS"


Na continuação dos meus apontamentos sobre este livro, que não vou resumir por ser demasiado denso em informações, refiro apenas mais alguns temas que mostram à saciedade a ingente tarefa a que meteu ombros o papa Francisco.

1 . O Governatorado
O Governatorado é a instituição que «controla atividades comerciais, culturais, manutenção de edifícios e contratações, fiscalização e fornecedores: da energia aos telefones, do tabaco aos computadores para os escritórios» (p. 103)
É um mundo de responsabilidades, que tem, no entanto, histórias pouco dignas e reveladoras de muito desleixo na defesa do património da Santa Sé. Quando Bento XVI nomeou Mons. Viganó para pôr cobro a uma situação em que havia, por ex., contratos com custos superiores em 20% às tarifas do mercado, as empresas e grupos dominantes, sentindo a ameaça, empreendem uma campanha difamatória contra ele e Bento XVI teve que o transferir para Washington, uma espécie de asilo.
Os conselheiros do Papa Francisco avançam depressa sobre os problemas e, pelas análises contabilísticas alarmantes feitas por peritos internacionais, exigem até 31 de Julho de 2013 um relatório exaustivo, que recebeu uma resposta pouco satisfatória: com 18.850 ordens de aquisição de bens e serviços, não há documentação completa e não se pode responder. Os cardeais da Comissão exigem uma auditoria loja por loja e fica-se a saber que «não foram encontrados bens» que constavam do balanço. Onde terão ido parar valores superiores a 1,6 milhões de euros? Alguém se abotoa com eles...
Outro pormenor bem preocupante é o regime oficial do Vaticano, que não paga e não cobra o IVA.
Sem este imposto, parece que só os funcionários e habitantes do Vaticano deviam poder chegar aos produtos. Para isso, criou-se um “cartão de aquisição” que deveria cobrir uns 6.000 utentes, mas na realidade já foram contabilizados mais de 40.000. Muitos ganham com isso, a começar pelos Sr.s Cardeais que além dos descontos entre 15 e 20% de que gozam, também têm direito a grandes lotes de compras que não consomem e alguém o faz por eles. É sabido que «bispos e cardeais têm uma paixão incontrolada por televisores de última geração e pelos mais sofisticados meios eletrónicos» (p. 108) e que, mesmo sabendo que é raro um cardeal fumar, cada um deles tem direito a uma grande quantidade de volumes. Serão para vender fora com IVA incluído?
Vaticano, paraíso fiscal ou estado com impostos? Mas esta situação cria uma má imagem e fere a reputação da Igreja... Há documentos que defendem mesmo a suspensão de algumas actividades por serem contrárias ou alheias aos verdadeiros propósitos da Igreja, como são os casos do vestuário e electrónica, perfumaria e a venda de tabaco...

2 – Passando por cima de casos bem graves que há muitos anos mancharam as finanças da Igreja pelas práticas ilegais de branqueamento de capitais, colaboração em autênticos roubos, inclusivamente na tentativa de compra de falsos títulos para esconder problemas, operados pelo IOR no tempo dos conhecidos Mons. Marcinkus e cardeal Bertone, vou referi o caso das pensões.
Entre os vários buracos negros de que fala o livro, o das pensões é bem ilustrativo.
Há alguns anos que se falava que o Fundo de Pensões estava à beira rutura, mas os eclesiásticos não ligam muito ao que dizem os revisores laicos. Aumenta muito o número de funcionários, as pessoas vivem mais anos e ninguém repara. Os primeiros estudos, bem confidenciais, alertam para um buraco de 800 milhões para um universo de uns 5.000 funcionários.  São dois casos graves: o profundo défice e sobretudo «a incapacidade profissional de quem administra as contas». Em curso estava uma reestruturação das pensões, como já fizeram todos os estados, como igualmente era necessário o controle e aproveitamento correcto de todo o património.

3 - Eu fico com a impressão de que ainda não é com este Papa que a Igreja consegue lidar com todos estes dinheiros e bens de um modo evangélico. A própria falta de colaboração dos vários institutos que lidam com as pessoas e os bens, que resistem a dar as informações que devem à comissão responsável (já foram bloqueados vários orçamentos durante meses por insuficiência de dados), não augura grandes sucessos.
Melhoraram os procedimentos contabilísticos, mas não se conseguiu centralizar as finanças e mesmo a reforma das pensões ainda não acabou. E um dos maiores obstáculos, segundo o meu entendimento, é uma luta assanhada de personalidades, com interesses divergentes mesmo contra o próprio papa. Veremos...
As minhas palavras são para sabermos apenas como vai esta Igreja que eu amo, as suas lutas e fracassos, que desejo sejam superados com sucesso.
António Henriques

AS MINHAS LEITURAS


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 “VIA CRUCIS” – Francisco, um Papa em perigo no seio do Vaticano
Autor: GianLuigi Nuzzi
Bertrand Editora

Acabei de ler há pouco este livro, que me deixou apreensivo, não tanto pelos dizeres da capa e mais pelo seu conteúdo. Habituado a pensar que na Igreja as pessoas, especialmente os dirigentes, estão ali para fazer boa figura, dar bom exemplo, viver de acordo com a ética cristã, esta descrição de muitos acontecimentos dentro do Vaticano e na Cúria Romana levam-me a pensar que pode haver lobos dentro do rebanho, que pode haver destacadas autoridades da hierarquia que se deixam levar pelo poder, pelo dinheiro, pelo luxo em vez do caminho da simplicidade e do serviço aos outros que era suposto seguirem.
Neste livro, o autor disserta sobre a luta que o Papa Francisco e alguns seus apaniguados travam para reformar a Igreja por dentro, nomeadamente a situação das finanças da Santa Sé, a que falta transparência e são dominadas por algumas pessoas que estão habituadas a práticas desonestas, a colaborar mesmo com os chefes da mafia, a desleixar a boa gestão do património e dos dinheiros que deviam ir para os pobres e para as verdadeiras necessidades da Igreja. Há quem defenda mesmo que a resignação de Bento XVI se deve sobretudo à sua incapacidade de dominar estes barões. O seu mordomo, Paulo Gabriele, foi condenado e perdeu emprego e casa por passar para o exterior informações confidenciais. O seu gesto é visto por outros como libertador.
Deixo apenas uns apontamentos:
1 – O autor teve acesso a documentos confidenciais, gravações de reuniões referentes à situação financeira do Vaticano, em que o Papa Francisco começou a trabalhar logo após o 13/03/2013. Francisco, numa reunião, chegou a dizer que no Vaticano «todos os custos estão fora de controle». A cada ano que passava, a situação piorava sobretudo com o aumento desmesurado do número de funcionários, a redução das receitas e a falta de uma gestão correcta das finanças.
2 – Um caso concreto é o que se passa com a “fábrica de santos” (!). Os milhares e milhões de euros que entram para custear as beatificações e canonizações não se sabe bem quem os recebe e como se gastam. Mas o fundo de reserva está baixo...
3 – Do Óbulo de S. Pedro, oferta anual dos fiéis ao Santo Padre, sabe-se o que se recebe, mas ninguém diz como se gasta, que obras de caridade são contempladas. E quando se sabe, como em 2012 com Bento XVI, metade dos 58 milhões ficaram na Cúria para cobrir despesas. Os pobres foram esquecidos. «Por cada euro que chega ao Santo Padre, apenas 20 cêntimos acabam em projectos concretos de ajuda aos pobres», diz Nuzzi.
4 – As duas grandes entidades bancárias do Vaticano, o IOR (Instituto de Obras Religiosas) e a APSA (Administração do Património da Sé Apostólica) há muitos anos que estão manchadas por más práticas, branqueamento de capitais, balanços que não respeitam os procedimentos contabilísticos modernos e transparentes, deixando de fora milhões escondidos não registados, a que se acorre quando necessário. A APSA, que superintende sobre sobre o património mobiliário e imobiliário (ex. os milhões de títulos nos bancos), é acusada de desperdício, de não saber bem o que existe...
5 – Em Fevereiro de 2014, o Papa reuniu os assuntos económicos e administrativos num só Ministério, com uma Secretaria para a Economia, com o Cardeal George Pell, e um Conselho para a Economia (8 cardeais e 7 leigos) para racionalizar e ordenar uma casa cheia de buracos, centenas de instâncias detentoras de dinheiros em desgoverno...
Pouco a pouco, Francisco quer uma Igreja pobre para os pobres. Mas a tarefa continua longe de ser cumprida.
António Henriques
(A CONTINUAR)