sexta-feira, 4 de agosto de 2017

AS MINHAS LEITURAS - 2

"VIA CRUCIS"


Na continuação dos meus apontamentos sobre este livro, que não vou resumir por ser demasiado denso em informações, refiro apenas mais alguns temas que mostram à saciedade a ingente tarefa a que meteu ombros o papa Francisco.

1 . O Governatorado
O Governatorado é a instituição que «controla atividades comerciais, culturais, manutenção de edifícios e contratações, fiscalização e fornecedores: da energia aos telefones, do tabaco aos computadores para os escritórios» (p. 103)
É um mundo de responsabilidades, que tem, no entanto, histórias pouco dignas e reveladoras de muito desleixo na defesa do património da Santa Sé. Quando Bento XVI nomeou Mons. Viganó para pôr cobro a uma situação em que havia, por ex., contratos com custos superiores em 20% às tarifas do mercado, as empresas e grupos dominantes, sentindo a ameaça, empreendem uma campanha difamatória contra ele e Bento XVI teve que o transferir para Washington, uma espécie de asilo.
Os conselheiros do Papa Francisco avançam depressa sobre os problemas e, pelas análises contabilísticas alarmantes feitas por peritos internacionais, exigem até 31 de Julho de 2013 um relatório exaustivo, que recebeu uma resposta pouco satisfatória: com 18.850 ordens de aquisição de bens e serviços, não há documentação completa e não se pode responder. Os cardeais da Comissão exigem uma auditoria loja por loja e fica-se a saber que «não foram encontrados bens» que constavam do balanço. Onde terão ido parar valores superiores a 1,6 milhões de euros? Alguém se abotoa com eles...
Outro pormenor bem preocupante é o regime oficial do Vaticano, que não paga e não cobra o IVA.
Sem este imposto, parece que só os funcionários e habitantes do Vaticano deviam poder chegar aos produtos. Para isso, criou-se um “cartão de aquisição” que deveria cobrir uns 6.000 utentes, mas na realidade já foram contabilizados mais de 40.000. Muitos ganham com isso, a começar pelos Sr.s Cardeais que além dos descontos entre 15 e 20% de que gozam, também têm direito a grandes lotes de compras que não consomem e alguém o faz por eles. É sabido que «bispos e cardeais têm uma paixão incontrolada por televisores de última geração e pelos mais sofisticados meios eletrónicos» (p. 108) e que, mesmo sabendo que é raro um cardeal fumar, cada um deles tem direito a uma grande quantidade de volumes. Serão para vender fora com IVA incluído?
Vaticano, paraíso fiscal ou estado com impostos? Mas esta situação cria uma má imagem e fere a reputação da Igreja... Há documentos que defendem mesmo a suspensão de algumas actividades por serem contrárias ou alheias aos verdadeiros propósitos da Igreja, como são os casos do vestuário e electrónica, perfumaria e a venda de tabaco...

2 – Passando por cima de casos bem graves que há muitos anos mancharam as finanças da Igreja pelas práticas ilegais de branqueamento de capitais, colaboração em autênticos roubos, inclusivamente na tentativa de compra de falsos títulos para esconder problemas, operados pelo IOR no tempo dos conhecidos Mons. Marcinkus e cardeal Bertone, vou referi o caso das pensões.
Entre os vários buracos negros de que fala o livro, o das pensões é bem ilustrativo.
Há alguns anos que se falava que o Fundo de Pensões estava à beira rutura, mas os eclesiásticos não ligam muito ao que dizem os revisores laicos. Aumenta muito o número de funcionários, as pessoas vivem mais anos e ninguém repara. Os primeiros estudos, bem confidenciais, alertam para um buraco de 800 milhões para um universo de uns 5.000 funcionários.  São dois casos graves: o profundo défice e sobretudo «a incapacidade profissional de quem administra as contas». Em curso estava uma reestruturação das pensões, como já fizeram todos os estados, como igualmente era necessário o controle e aproveitamento correcto de todo o património.

3 - Eu fico com a impressão de que ainda não é com este Papa que a Igreja consegue lidar com todos estes dinheiros e bens de um modo evangélico. A própria falta de colaboração dos vários institutos que lidam com as pessoas e os bens, que resistem a dar as informações que devem à comissão responsável (já foram bloqueados vários orçamentos durante meses por insuficiência de dados), não augura grandes sucessos.
Melhoraram os procedimentos contabilísticos, mas não se conseguiu centralizar as finanças e mesmo a reforma das pensões ainda não acabou. E um dos maiores obstáculos, segundo o meu entendimento, é uma luta assanhada de personalidades, com interesses divergentes mesmo contra o próprio papa. Veremos...
As minhas palavras são para sabermos apenas como vai esta Igreja que eu amo, as suas lutas e fracassos, que desejo sejam superados com sucesso.
António Henriques

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