A praia da minha infância
A caminho do rio Guadiana
Eram uns dias passados numa pequena
casa junto a um moinho de água, propriedade de familiares nossos. Provavelmente
estávamos no mês de julho ou agosto do ano de 1949.
O peixe pescava-se com um cesto. Passavam os cardumes e com mestria atirava-se um cesto fundo de cana e, quando se puxava o cesto, os peixes ficavam dentro a saltar enquanto a água escorria pelos buracos entre as canas.
A carne também aparecia de vez em
quando, pois os donos do moinho eram donos de um talho e passavam por lá com
alguma frequência.
O nosso pai preparava o carro puxado
por um macho. Em cima do carro, colocavam-se cadeiras e outros pertences
necessários à viagem, pois isto não era só descanso, as mulheres aproveitavam
para lavar as lãs de ovelha que faziam parte dos colchões da casa de família e,
para isso, levávamos umas canastras para lavar as lãs no rio. No carro, seguiam
2 casais e as crianças, os mais velhos sentados nas cadeiras, os mais novos
ajeitavam-se como podiam ao colo ou sentados nas canastras.
No Alentejo, há uma regra que põe
homens dum lado, mulheres a outro e essa regra também se aplicava ali em todas
as situações, na mesa, na dormida e nos banhos.
Dormíamos todas numa divisão grande
junto à cozinha e no chão, em cima de cobertores que iam também para serem
lavados no rio. Os homens tinham uma divisão mais pequena onde dormiam.
A hora dos banhos também era divertida. O moleiro colocava uma corda no ouvido do moinho e as mulheres e as crianças em camisa de noite agarravam-se à corda e tomavam banho em fila na direção da força da água, a que chamavam “o ouvido do moinho”. Durante os banhos, era fácil ouvir a mãe a chamar os mais afoitos para não se afastarem das margens e os mais temerosos a serem incentivados a entrar dentro de água.
Os rapazes e os homens tomavam banho
à parte e quando queriam, pois todos eles já sabiam nadar e davam uma volta de
barco, liberdade que não pertencia às crianças nem às mulheres.
Mas as crianças também tinham alguma
liberdade. Tomavam conta umas das outras e pescavam marisco, embora
recomendadas para não o fazer “porque o marisco fazia febres”, diziam as mães.
No grupo das crianças também se praticava alguma hierarquia: enquanto os mais velhinhos
pescavam, a maninha mais nova ficava longe da água a chorar, mas em pouco tempo
ficava quieta e calada para não atrapalhar a pesca clandestina. Eu pesquei e
comi marisco e ainda cá estou com 81 anos e não apanhei as tais febres. Fiz
parte do grupo das crianças que desobedeciam aos adultos.
Os mariscos não se comiam crus.
Colocávamos os ameijoões em cima do lume, que estava sempre aceso, pois era lá
que as mulheres cozinhavam as refeições. Os ameijoões abriam com o calor e
ficavam com um molhinho espetacular que ainda hoje me cria água na boca. Não
sei se os adultos chegaram a saber... E provar tal pitéu também duvido que o fizessem,
pois eles tinham de dar o exemplo às crianças.
Que experiência maravilhosa e que
gozo e alegria me dá reviver aqueles dias!
Antonieta Henriques
12/11/2024
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