3 - UMA FAMÍLIA DE GATOS
Começo esta composição com dúvidas. Será que posso chamar a três gatos uma família de gatos? Aqui não há pai, não há mãe e não há filhos. Não compliquemos, eles tornaram-se amigos e os amigos podem viver juntos e porque não serem UMA FAMÍLIA?
São então “os três da vida airada “. Juntaram-se pelas circunstâncias da vida de cada um.
O primeiro estava dentro de um saco abandonado, cresceu alimentado por uma seringa - o que mais se assemelhava à maminha da mãe. Cresceu, fez-se um gatarrão mal-educado que assustava qualquer veterinário. Foi lhe dado o nome de Speck. Em casa era um animal normal, que respeitava os seus tutores, era dono e senhor de uma casa enorme que não queria partilhar com mais ninguém. Mas certo dia aparece um gatinho simpático e franzino, sem espírito de luta, a quem chamámos de Bolinhas, que resolveu morar no jardim do Speck. Não podemos dizer que a convivência era pacífica, mas o Bolinhas foi persistente até o Speck se habituar à sua presença e o deixar entrar em casa; viveu no jardim dentro de uma caixa um mês ou dois e um dia, o Bolinhas lá foi para a casa grande. Como não juntou tralha, não havia bagagem, a mudança tornou-se fácil. Teve cama própria, mas gostava mais de partilhar a cama com o amigo, provavelmente porque era inverno e ele ficava mais quentinho.

Com o Natal, chegou uma visita - o Lock, de ar saudável e estatura que merecia respeito; na primeira noite, ficou fechado num quarto porque os desacatos eram tantos que não deixavam ninguém pregar olho. O tempo passou e todos se habituaram à presença uns dos outros. Mas o Lock era visita, só aparecia de vez em quando com os seus tutores. Quando chegava, já não precisava de apresentações, conheciam-se bem e eram felizes. Numa das últimas viagens, quando chegou à casa de férias já não encontrou o Speck, chefe do grupo a quem o Lock tinha bastante respeito. Certo dia, veio de férias e, como viajava de avião, chegou muito assustado com uma certa turbulência aérea e os tutores acharam por bem deixá-lo com o Bolinhas, que estava a passar por grande sofrimento devido à falta do amigo e sua figura de referência.
Estes dois amigos viveram felizes durante alguns anos, mas sempre a disputar o colo da tutora, colo que pertenceu por direito ao chefe Speck. O Bolinhas admitiu o Lock como chefe, mas achava que o colo da tutora era dele por herança. Era divertido ver os desacatos com dois gatos grandes num colo pequeno a tentarem ajeitar-se como podiam. A verdade é que não ficavam muito tempo porque a posição devia ser incómoda, mas o tempo não para e a vida tem o seu limite. O Lock adoeceu e não viveu muito tempo a fazer companhia ao Bolinhas. Lá ficou o Bolinhas a lamentar-se escada abaixo, escada acima numa grande tristeza. No meio de tanto azar, o Bolinhas procurou algo que o libertasse de tanta dor e voltou ao colo da tutora, agora com um colo só para ele; em especial à noite, ficava consolado e mais calmo!

Mas ele percebeu qual o antídoto para o seu sofrimento e durante algum tempo pedia colo como uma criança, mesmo durante o dia. O tempo passou e o Bolinhas voltou ao normal. Agora passa o dia nos seus afazeres no quintal e só volta à noite para se consolar no colo que o libertou.
A vida reserva-nos surpresas, aquele animal frágil, sem ambições e, agora sozinho, com dificuldade em fazer amigos, ainda vive feliz e tem quase 18 anos; para nossa alegria e bem-estar, conquistou os nossos corações e é um resistente.
06/11/ 2024
Antonieta Henriques
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