Começar aos 80 anos!
INTRODUÇÃO
A arte da escrita não nasce connosco. Vai-se adquirindo com a prática e com algum estudo. De vez em quando, temos surpresas... Pessoas surgem inesperadamente e passam a ter êxito, escrevendo com afã para jornais e revistas. Outras alimentam círculos fechados de partilha de conhecimentos e de vivências, apoiados em blogues, onde corre a vida e se ensaia a comunicação amiga entre os associados. E aí nascem autênticos escribas que gostamos de ler, gente anónima no mundo cultural, mas apreciados no seu círculo de amizade.
Pessoalmente, tenho dado a mão a muita gente e tenho incentivado alunos e amigos a usarem a escrita como ocupação dos dias, especialmente como respiração das leituras que vamos fazendo. Ler e escrever podem ser duas faces da mesma actividade. E já me surgiram surpresas agradáveis, que ajudaram amigos a viverem com mais alegria e maior gosto.
Desta vez, no entanto, a surpresa ainda é maior. A conviver com ela durante quase 50 anos, a vê-la ocupar os seus tempos livres com as cores, as tintas e os lápis, eis que agora a menina minha esposa vem ter comigo e pergunta-me se posso ler e avaliar o que ela escreveu e se valia a pena continuar. Eu sabia que as suas últimas leituras eram do Miguel Esteves Cardoso, um livro interessante, onde o nome do autor é mais importante que o título, que parece envergonhado, de tão humilde que se apresenta: "Como escrever".
A verdade é que este livro levou a Antonieta a experimentar caminhos novos na expressão e aos oitenta anos aqui está com textos muito lindos, a recuperar momentos da sua vida e a ressuscitar emoções que alimentam as suas horas. E vejam lá os caros leitores se vós também não podeis dar vida aos dias, mesmo quando eles já estão inundados de outros afazeres.
A. Henriques
OS PRIMEIROS TEXTOS AOS 80 ANOS
1 - A menina garrafa
Olá, eu conheço-te, és a menina garrafa que eu encontrei em Portimão. Mas aqui na Amora, és igual a tantas outras e tens de concorrer com o jarro da água. Ele ficou ali parado, com ar importante, presunçoso e com água até ao gargalo. De repente, olhei para ti e interessei-me pelo teu conteúdo. O jarro da água, admirado, teve de esperar até eu beber a tua água. Ficaste vazia, mas existes para alguém e esse alguém sou eu. Menina garrafa, eu não te abandono porque já fazes parte da minha vida.
Ficaste surpreendida, mas orgulhosa e feliz, sabendo que vales e serves para alguém. Não saíste do teu caminho, não atropelaste ninguém. O nosso valor depende de nós, não depende da apreciação dos outros.
Menina garrafa, que grande aventura!
Sabes o que está a acontecer? Eu estou a escrever e surpreendida com tudo o que estou a presenciar. Tu vais fazer parte do meu 1º conto. Estou feliz com a tua companhia, amiga!
Achas que o conto é pequeno?
Tal como os homens não se medem aos palmos, também os contos não se avaliam pelo número de palavras que dele fazem parte.
Menina garrafa, foi um prazer conhecer-te.
17/10/2024
Antonieta Henriques
2 - As incansáveis formigas
Ser criança nos anos 40 e 50 era maravilhoso. Podia olhar em volta, admirar os pássaros, os grilos, as aranhas, os gafanhotos, as borboletas de variadas cores, as carochas e as incansáveis formigas com quem passei momentos de lazer, aprendizagem e criatividade. A verdade é que as formigas continuam a ser misteriosas para mim, saem daqueles buracos muito perfeitos e correm numa azáfama à procura de comida ou outras coisas. Muitas vezes carregam pesos maiores que elas próprias, com modos de quem precisa vencer e não desistir, dando tantas vezes exemplo a quem não as vê e lhes põe os pés em cima.
Com formigas não dá para conversar, mas eu tentei algumas vezes.
Linda formiguinha, toma atenção! Eu resolvi alindar a tua casa, sei que não tens tempo e eu gosto de fazer coisas. Eu faço-te um quintal com um muro, um jardim com árvores, flores em redor e talvez uma piscina...
Mesmo sem o seu aval, construí jardins à volta dos buracos e passei horas a educá-las para não pisarem a relva e usarem só os caminhos que eu lhes fizera. Os resultados foram nulos, para deceção da menina que queria ser professora e não arquiteta.
Mas percebi que elas foram muito pacientes comigo, não abandonavam a casa e provavelmente ajudaram-me, no meu percurso de vida, a ser paciente com as crianças, a entender o outro que nem sempre fala, mas é único nas suas opções.
22 – 10 - 2024Antonieta Henriques
NOTA: BREVEMENTE SEGUIRÃO OUTROS TEXTOS.
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